terça-feira, 29 de dezembro de 2020

DA REMUNERAÇÃO PROFISSIONAL – FIXAÇÃO PRÉVIA DO CUSTO ESTIMADO DOS PROCEDIMENTOS COM O PACIENTE (ARTIGO 61 DO CEM)

 O ajuste prévio dos honorários e dos demais custos antes da realização do procedimento médico facilita a boa relação entre o médico e o paciente. Esta prática está em consonância com o princípio da autonomia do paciente e do consentimento livre e esclarecido, que requer informações necessárias sobre o procedimento como um todo.

Diante da natureza contratual na relação médico-paciente, deve-se observar também o disposto no Código de Defesa do Consumidor, que estabelece o direito à informação do consumidor quanto ao valor do serviço a ser prestado, inclusive com a entrega de orçamento pelo prestador de serviço (artigos 6º, III, 39 e 40).

A estimativa mencionada pelo dispositivo em comento é uma previsão, uma possibilidade estatística, que pode ou não se confirmar no futuro, podendo ser menor ou mais elevada. Recomenda-se que esta estimativa (orçamento) seja realizada por escrito, e, se possível, apresentada até mesmo nos casos de urgência/emergência.

No que tange à exigência de cheque-caução por hospitais nos casos de urgência/emergência, estão questão foi objeto de muita discussão, prevalecendo o entendimento que prioriza a vida do paciente. O atendimento deve ser prestado de imediato até que a urgência ou a emergência tenha sido superada, quando o paciente poderá ser removido para outro nosocômio, sem prejuízo da cobrança posterior do paciente ou de seus familiares.

Esse entendimento foi confirmado com a publicação da Lei nº 12.653/2012, que acrescentou o artigo 135-A ao Código Penal, tipificando como crime condicionar o atendimento médico-hospitalar emergencial à apresentação de cheque-caução ou qualquer garantia.

Outra situação distinta é a exigência de caução por parte dos prestadores de serviços médicos contratados por planos de saúde.

Em decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região foi reconhecida a legalidade da proibição da exigência de cheque-caução pelos prestadores de serviços médico-hospitalares, contratados pelos planos de saúde, conforme a Resolução Normativa ANS nº 44/03.

A REMUNERAÇÃO PROFISSIONAL

 Ainda que renomados doutrinadores venham a discordar, atualmente a medicina, mais especificamente a relação médico-paciente, é considerada uma relação de consumo, na qual há um prestador de serviço (médico/hospital), um consumidor (paciente e sua família) e um produto ou serviço oferecido (cuidados médicos) mediante remuneração (honorários).

Por estes cuidados, o médico deve ser remunerado de forma justa e digna (inciso X dos Princípios Fundamentais), sendo vedada apenas as cobranças exageradas. O que o Código de Ética Médica visa coibir é a utilização da medicina como forma de auferir vantagens de qualquer tipo, em prejuízo dos pacientes.

Recomenda-se ao profissional médico que, ao fixar seus honorários, considere as limitações econômicas dos pacientes, as circunstâncias do atendimento (horário, duração, complexidade) e a prática local, e que o ajuste do valor do procedimento seja realizado previamente com o paciente, a fim de se evitar qualquer possibilidade de infração ao artigo 61 do Código de Ética Médica.

Diante deste contexto podemos citar alguns exemplos de infrações ao artigo 58 do CEM (e também do inciso IX dos Princípios Fundamentais), que veda o exercício mercantilista da medicina:

- o médico que troca a realização de um ato profissional por espaço na mídia, para divulgação de seu nome;

- o médico que possua representação para venda de produtos médicos ou hospitalares (inclusive óticas);

- a cobrança exagerada de honorários em casos de urgência/emergência;

- a cobrança de honorários ínfimos (ou até mesmo a ausência de cobrança) com a finalidade de angariar clientela;

- oferecer ou aceitar remuneração ou vantagens por paciente encaminhado ou recebido, bem como por atendimentos não prestados (artigo 59). O dispositivo inclui no “oferecer e aceitar” tanto os médicos, quanto os não médicos (cabeleireiros, fisioterapeutas, esteticistas, massoterapeutas, empresas de produtos médicos, etc.). Com relação ao atendimento não prestado, exemplo típico é a inserção de nome de médico auxiliar que recebe do convênio, mas que não esteva presente no atendimento médico/cirúrgico.

- permitir a inclusão de nomes de profissionais que não participaram do ato médico para efeito de cobrança de honorários (artigo 60);

- deixar de ajustar previamente com o paciente o custo estimado dos procedimentos (artigo 61).

Por outro lado, não configura infração ao Código de Ética Médica:

- o médico fornecer amostras grátis de medicamentos aos seus pacientes, desde que não aufira nenhum tipo de benefício financeiro;

- a participação em campanhas beneficentes legítimas, nas quais os atendimentos são prestados sem a cobrança de honorários;

- o encaminhamento de paciente para colega especialista (o que se veda é que este encaminhamento seja feito em razão de acordos que visem o recebimento de vantagens).

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

DO CONSENTIMENTO DO PACIENTE - ÓTICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

 O direito à informação não consta apenas no Código de Ética Médica. Está previsto também no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil (artigo 15).

É certo que o médico não pode efetuar nenhum tipo de tratamento sem receber o consentimento do paciente, com exceção dos casos de urgência. Ao relacionar os direitos do paciente, Ricardo Luis Lorenzetti menciona o direito de recusar tratamento em exercício do seu direito de liberdade (neste caso, o médico deverá registrar essa recusa no prontuário, para que não seja acusado de omissão ou negligência).

A ausência de consentimento, ou aquele deficientemente prestado, traz a presunção de que o procedimento se realizou sem a concordância do paciente. E se este procedimento causar algum dano ao paciente, o médico poderá responder civilmente. Este dano não necessita ser oriundo de erro médico, podendo ser decorrência dos possíveis riscos inerentes a determinado procedimento, devendo-se verificar o nexo causal entra a omissão de informação e o dano.

Vale ressaltar que alguns julgados recentes vêm admitindo a responsabilidade do médico por não obter o consentimento do paciente para a realização de determinado procedimento, mesmo sem a ocorrência de qualquer erro médico ou de dano ao paciente. Em um desses casos a Corte paulistana manteve a condenação do médico em danos morais sob o fundamento de que houve ofensa aos direitos da personalidade, liberdade e poder de decisão da genitora (responsável pelo filho recém-nascido).

No que tange ao consentimento deficientemente prestado, o termo de consentimento requer especial atenção: se for mal elaborado, com redação deficiente ou mesmo padronizado para ser utilizado em procedimentos variados, poderá fazer prova contra o próprio médico ou instituição hospitalar.

DO CONSENTIMENTO DO PACIENTE - PONTO DE VISTA ÉTICO

 Previsto como o primeiro artigo do capítulo sobre direitos humanos do Código de Ética Médica, o consentimento do paciente possui dois pilares fundamentais: o direito à informação e a autonomia do paciente.

Dessa forma, o consentimento do paciente somente será válido se as informações e os esclarecimentos prestados pelo médico forem adequados, pois somente dessa forma o paciente poderá exercer com soberania o seu direito de autonomia.

A regra geral não prevê que o consentimento do paciente seja reduzido à termo, embora esta seja uma prática recomendável, principalmente em procedimentos invasivos, para que o médico tenha seus direitos resguardados. Ainda, parte da doutrina discorre sobre a necessidade de que o consentimento do paciente seja documentado e conste no seu prontuário.

Há exceção à regra do dever de obtenção do consentimento esclarecido do paciente previamente à adoção do procedimento, que se dá no caso de iminente perigo de morte.

Dessa forma, haverá infração ética se o profissional realizar procedimento sem o consentimento esclarecido do paciente, mesmo que o serviço tenha sido prestado corretamente e que este não sofra dano, exceto nos casos de iminente perigo de morte.

Devemos ressaltar que para alguns procedimentos específicos existem leis que tratam da questão do consentimento esclarecido, a exemplo da Lei nº 9.236/96, que trata do planejamento familiar.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

A TELEMEDICINA EM TEMPOS DE PANDEMIA

A Telemedicina não é algo recente, ganhando seus contornos nos anos 90, mais especificamente com a realização da 51ª. Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Tel Aviv, em outubro de 1999, quando foram definidas as bases éticas sobre o uso da Telemedicina.

No ano de 2002, o CFM publicou a Resolução nº 1.643, normatizando a utilização das técnicas e procedimentos a serem realizados à distância.

A controvérsia existente diz respeito sobre quais as circunstâncias em que o atendimento pode ser realizado à distância. O Código de Ética Médica assim dispõe em seu artigo 37:

É vedado ao médico:

(...)

Art. 37. Prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência e emergência e impossibilidade comprovada de realiza-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa.

§ 1º. O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina.

Com o início da Pandemia de COVID, sobreveio intensa atividade legislativa e normativa. O Ministério da Saúde publicou a Portaria 467/2020, limitando a atuação à distância em situações médicas decorrentes da declaração de “Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN):

“[...] Art. 2º As ações de Telemedicina de interação à distância podem contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada.”

Foi então publicada a Lei nº 13.989/2020, autorizando a realização de consultas por meio de telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus.

E como fica a consulta de primeira vez? Esta questão vendo sendo tratada pelos Conselhos Regionais de Medicina.

No Rio de Janeiro o CREMERJ publicou a Resolução nº 305/2020, que, em seu artigo 5º, dispõe que “a Telemedicina na modalidade Teleconsulta só está autorizada para pacientes que já são atendidos pelo médico, sendo vedada a realização da primeira consulta de forma não presencial”.

Já no Rio Grande do Sul o CREMERS publicou a Resolução nº 10/2020, que dispõe em seu artigo 3º § 4º, que “os médicos cujo primeiro atendimento ao paciente for realizado por meio remoto e que não possua exames clínicos, ou sempre que entenderem necessário, deverão registrar tais fatos em prontuário clínico, bem como se o atendimento foi realizado em situação de urgência ou emergência”. Esta Resolução tem servido como norte para as decisões do CREMESP em São Paulo.

É importante observar que estas normas e resoluções sobre a utilização de Telemedicina dizem respeito apenas ao período de pandemia, e suas disposições estão sujeitas a constantes atualizações.

A IMPORTÂNCIA DO PRONTUÁRIO

O prontuário é documento de suma importância tanto para o médico como para o paciente. É nele que ficam registradas todas as informações do atendimento prestado ao paciente, tratando-se, pois, do seu histórico médico.

Em caso de processos cíveis, penais ou administrativos de responsabilidade médica, trata-se o prontuário da principal prova documental a ser analisada, sendo, muitas vezes, a única forma do médico comprovar a adoção de determinada conduta, e como esta se deu.

Compete à instituição de saúde e/ou ao médico o dever de guarda do prontuário, sendo que o mesmo deve estar disponível nos ambulatórios, nas enfermarias e nos  serviços  de  emergência  para  permitir  a  continuidade  do  tratamento  do  paciente  e documentar a atuação de cada profissional. Há ainda a possibilidade de o prontuário ser elaborado em meio eletrônico, conforme regulamentação própria do CFM.

Uma das obrigações impostas pelo CFM nos prontuários em papel é a legibilidade da letra do profissional que atendeu o paciente. Este ponto requer especial atenção, pois pode ensejar a responsabilidade do profissional que o preencher.

Segundo as lições do Doutrinador Genival Veloso de França, a letra do médico, quando indecifrável, pode conduzir à reponsabilidade por negligência. Além disso, pode o médico desperdiçar uma prova de que adotou determinada conduta que o isentaria de responsabilidade em eventual ação civil por erro médico movida pelo paciente.

Ressalta-se também que deixar de elaborar prontuário legível é conduta tipificada como infração ética.

Ainda, nos casos emergenciais, nos quais seja impossível a colheita de história clínica do paciente, deverá constar relato médico completo de todos os procedimentos realizados e que tenham possibilitado o diagnóstico e/ou a remoção para outra unidade.

A PUBLICIDADE MÉDICA NOS TEMPOS ATUAIS

O povo brasileiro é um dos maiores consumidores de internet do mundo. Como não podia deixar de ser, as redes sociais passaram a ser visadas para a realização de publicidade.

Na área médica, existem algumas vedações legais e éticas que devem ser observadas na realização de anúncios, cuja falta de observação pode implicar em infrações éticas e até mesmo em ações judiciais. Vamos citar algumas:

- fotos de “antes e depois” (deve-se preservar o paciente. Além disso, essa conduta poderia atrair uma obrigação de resultado);

- uso da imagem do paciente (nas redes sociais esta situação pode ocorrer quando o próprio paciente ou terceiros expõem sua imagem e o médico apenas republica);

- sistematicamente, agradecimentos manifestados por clientes e que atentam contra a ética médica;

- expor a figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com autorização expressa do mesmo;

- fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou imagens que os tornem reconhecíveis;

- cura de determinadas doenças para as quais não haja tratamento próprio;

- exercício de mais de duas especialidades;

- especialidade ainda não admitida pelo ensino médico, ou que não tenha tido a sanção das sociedades médicas;

- divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico.

Vale recordar também que é necessário inserir no anúncio i) o nome do profissional, ii) a especialidade e/ou área de atuação, quando registrada no Conselho Regional de Medicina, iii) o número da inscrição no Conselho Regional de Medicina e iv) o número de registro de qualificação de especialista (RQE), se o for.

E nos anúncios de estabelecimentos de saúde, devem constar o nome e o número de registro, no Conselho Regional de Medicina, do diretor técnico.

A TELEMEDICINA E OS PLANOS DE SAÚDE EM TEMPOS DE PANDEMIA

 Enquanto perdurar a pandemia os planos de saúde estão obrigados a cobrir os atendimentos realizados por teleconferência?

Depende do contrato firmado entre as operadoras e o prestador (médico), que possui autonomia e liberdade para aceitar ou não a prestação de atendimentos médicos por meios remotos.

A ANS, com fundamento nas Notas Técnicas nº 6/2020/GGRAS/DIRAD-DIPRO/DIPRO, 03 e 04/2020/DIRAD-DIDES/DID e 07/2020/GGRAS/DIRAD-DIPRO/DIPRO, definiu que, embora os atendimentos em Telessaúde já possuam cobertura obrigatória, se tratando de uma modalidade de consulta com profissionais de saúde, deverão ser precedidos de ajuste entre as Operadoras e os Prestadores de Serviços integrantes de sua rede.

Na Nota de Esclarecimento publicada pelo Conselho Federal de Medicina em 25 de abril de 2020, consta que, "nos termos da Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020, resta autorizada e eticamente permitida a livre negociação e a cobrança de honorários médicos pela realização efetiva de qualquer tipo de ato médico que utilize a telemedicina", bem como combate "qualquer medida adotada, por operadoras ou planos de saúde, no sentido de impedir o acesso via telemedicina de pacientes a todos os médicos credenciados, estando estes automaticamente autorizados a utilizar essa ferramenta com todos os seus pacientes”.

Contudo, devemos recordar que “está no âmbito da autonomia e da liberdade contratual dos Médicos credenciados às Operadoras de Planos de Saúde (OPS) aceitar ou não a prestação de atendimentos médicos por meios remotos (Telemedicina)”, conforme dispõe o artigo 1º da Resolução nº 10/2020 do CREMERS, que tem servido como norte para as decisões do CREMESP em São Paulo.

ENTREVISTA CONCEDIDAAO JORNAL CORREIO DE SALVADOR

  P - Quais são as demandas mais comuns dos clientes que buscam mover ações judiciais, de acordo com sua experiência?   R – As demandas e...