P - Quais são as demandas mais comuns dos clientes que buscam mover ações judiciais, de acordo com sua experiência?
R – As demandas envolvendo plano de saúde são muito variadas, mas podemos identificar algumas que ocorrem com frequência. São elas:
- negativa de tratamentos fora do rol da ANS;
-
negativa de tratamentos que estão no rol da ANS, sob o argumento de que não
estão de acordo com DUT (diretriz de utilização);
-
negativa de fornecimento de medicamentos;
-
negativa de tratamentos oncológicos específicos;
-
negativa de procedimentos de urgência/emergência sob a alegação de carência
após 24 horas;
-
mais recentemente, negativa de cirurgias por meio de robótica;
-
negativa de home care sob o argumento de que paciente necessita de atendimento
domiciliar (por meio de cuidador), e não de internação domiciliar (por meio de
profissionais de saúde);
-
negativa de cirurgia bariátrica e de plástica reparadora pós bariátrica;
-
custeio de tratamento multidisciplinar;
-
manutenção de plano de saúde (aposentados e demitidos sem justa causa);
-
rompimento unilateral do contrato sem a devida comunicação prévia;
-
recusa de inclusão de idosos e de pessoas com doenças pré-existentes em plano
de saúde;
-
reajustes de planos de saúde.
P - Você identificou padrões em relação aos tratamentos e medicamentos que costumam ser negados pelas seguradoras?
R – As negativas de tratamentos e de medicamentos são muito variadas.
Como podemos observar, em muitos casos as negativas de tratamento são justificadas por não estarem previstos ou por não se enquadrarem no rol da ANS. No que tange aos medicamentos, muitas negativas dizem respeito à medicamentos de alto custo de uso domiciliar, ou de uso off label.
Em muitos casos, é possível conseguir a obtenção ou o fornecimento de tais tratamentos ou medicamentos por meio de ação judicial. É claro que cada caso precisa ser analisado individualmente ante as suas particularidades. Além disso, um relatório bem fundamentado do médico assistente é de suma importância para fundamentar a ação judicial.
Com relação ao beneficiário, é possível identificar alguns padrões que são discriminados pelas operadoras de planos de saúde. Geralmente os idosos e as pessoas com doenças crônicos que necessitam de tratamentos contínuos encontram maior dificuldade para serem aceitos em planos de saúde, o que é vedado pela nossa legislação. Existem também muitos casos em que esses beneficiários são excluídos do plano de saúde, por meio de rescisões unilaterais (e injustificada) do contrato realizadas pelas operadoras, o que obviamente é ilegal e abusivo.
P - Considerando os desafios do processo judicial, você acredita que é a melhor alternativa para os segurados lidarem com recusas dos planos de saúde? Existem outros caminhos que os beneficiários podem explorar antes de recorrer à Justiça?
R – Existem sim outros caminhos que o beneficiário pode trilhar antes de ingressar com ação judicial contra a operadora. Ele pode se valer da NIP (notificação de intermediação preliminar na ANS).
Uma vez realizada a NIP, a ANS questionará a operadora, fazendo um papel de intermediação, e a operadora olhará melhor para o caso. É um papel pré-processual.
Nesse caso, é importante que o beneficiário busque previamente a operadora e registre a sua indignação antes de ingressar com a NIP, gerando um número de protocolo, que será utilizado para fundamentá-la.
Entretanto, nem sempre ingressar com a NIP antes da ação judicial pode ser uma boa medida para o beneficiário. Isso porque as operadoras possuem regras a serem seguidas, sendo fiscalizada pela ANS, sendo importante demonstrar na NIP que a operadora não cumpriu com as normativas da ANS.
Logo, para os casos em que a operadora está se comportando conforme essas normativas, ainda que de forma contrária ao interesse do beneficiário, como, por exemplo, no caso de negativa de tratamento que não esteja previsto no rol da ANS, muito provavelmente a NIP não será acolhida. Em tais casos, é melhor ingressar diretamente com ação judicial.
P
-
Poderia fazer uma análise sobre a Lei 14.454/2022,
que alterou a Lei de Planos de Saúde? Acredita que foi positiva para os
segurados?
R – Se olharmos para o passado, anteriormente a junho/2022, entendo que a Lei 14.454/2022 não foi positiva para os beneficiários.
Até então, o entendimento majoritário dos Tribunais Estaduais era no sentido de que o rol de procedimentos da ANS possuía natureza exemplificativa, e não taxativa. Ou seja, entendia-se o rol da ANS como uma listagem de referência mínima que as operadoras eram obrigadas a custear.
Mesmo que determinado tratamento não estivesse incluído no rol da ANS, o plano de saúde tinha que disponibilizá-lo ao paciente caso houvesse solicitação do médico assistente.
Entretanto, havia um debate no STJ sobre a natureza do rol de procedimentos da ANS. A Terceira Turma entendia em seus julgados que o rol de procedimentos era exemplificativo. Já a Quarta Turma entedia que o rol era taxativo.
Até que em junho/2022 o STJ realizou o julgamento dos Embargos divergentes (Resp 1.886.929-SP), no qual manifestou o entendimento de que o rol de procedimentos da ANS é taxativo, porém com excepcionalidades, ou seja, de que se trata de um rol taxativo “mitigado”.
De acordo com esse entendimento, os planos de saúde somente estavam obrigados a garantir aos beneficiários tratamentos previstos no rol da ANS, com algumas exceções, desde que preenchidos determinados requisitos específicos, como:
- não tenha sido indeferido expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol;
-
haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidencias;
-
haja recomendações de órgãos técnicos de renomes nacionais como CONITEC e
NATJUS e estrangeiros.
Foi, sem dúvida, uma decisão lamentável para os beneficiários, mas não se pode dizer que foi uma surpresa, já que a ANS e o STJ estavam “orquestrando” esse posicionamento desde o ano anterior. Basta observar que em 2021 a ANS publicou a Resolução Normativa nº 465/2021, na qual afirma, em seu artigo 2º, que o seu rol é taxativo, contrariando a própria Lei dos planos de saúde, querendo fazer o papel de legislador por meio de resoluções, o que não é a sua função.
Posteriormente, no ano de 2022, entrou em vigência a Lei 14.454/2022, que trouxe algumas melhorias com relação ao julgado supracitado do STJ.
Ela não discorre expressamente sobre a natureza do rol da ANS, mas trouxe com maior clareza os casos em que as operadoras devem fornecer tratamentos aos beneficiários, mesmo quando não estão previstos no rol. Os requisitos para o fornecimento dos tratamentos não previstos no rol da ANS são os seguintes:
- exista comprovação de eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
-
existam recomendações pela Conitec ou de, no mínimo, 1 órgão de avaliação de
tecnologias em saúde que tenha renome internacional.
No que tange aos requisitos, a lei deixa claro que não são cumulativos, mas sim opcionais (“ou”).
Além disso, a Lei 14.454/2022 reforça que cabe à ANS fazer as incorporações de novos procedimentos no seu rol periodicamente (de acordo com a Lei 14.307, a atualização do rol deve ocorrer a cada 6 meses).
Portanto, ainda que a Lei 14.454/2022 tenha um entendimento menos favorável aos beneficiários do que o entendimento dos Tribunais Estaduais sobre a obrigação dos planos em disponibilizar tratamentos não previstos no rol da ANS, fica evidente que ela trouxe melhorias após o julgado do STJ proferido em junho/2022, ao deixar mais claro os requisitos que devem estar presentes para o fornecimento de tratamentos que não sejam contemplados pelo rol.
Vale ressaltar aqui a necessidade de um relatório médico bem fundamentado ao ingressar com ação judicial pleiteando determinado tratamento que não esteja previsto no rol da ANS.
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