Em muitos casos a alta a pedido do paciente pode gerar dúvidas no médico, diante do conflito de princípios éticos que pode envolver, principalmente quando tal medida acarretar risco de dano ou, pior ainda, de morte.
De um lado, temos o princípio da autonomia do paciente, tão festejado atualmente, previsto em vários dispositivos do Código de Ética Médica (vide artigos 22, 31, 34, 42), e em várias resoluções do CFM.
E, de outro lado, a necessidade de tratamento do paciente, muitas vezes inadiável, sendo esta a função primordial do médico.
De fato, a possibilidade de alta a pedido está expressa no Código de Ética Médica, em seu artigo 86. Dessa forma, creio que para dirimir dúvidas oriundas da alta a pedido, devemos analisar se a autonomia do paciente é absoluta, ou quais são os seus limites.
Analisando o Código de Ética Médica e a Resolução CFM 2232/19, que dispõe sobre a recusa terapêutica, é possível verificar que, atualmente, a autonomia do paciente não é absoluta.
Verificamos nos artigos supracitados do Código de Ética Médica que há exceção à regra do dever de obtenção do consentimento esclarecido do paciente previamente à adoção do procedimento, que se dá no caso de iminente risco de morte.
A Resolução CFM 2232/19 define a recusa terapêutica como “um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão”. Para casos eletivos, dispõe que a recusa é assegurada ao paciente maior de idade, capaz, lúcido, orientado e consciente, no momento da decisão.
Ela, assim como o Código de Ética Médica, possui exceções: nas situações de urgência e emergência que caracterizam iminente perigo de morte, o artigo 11 discorre que “o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica”. Também não deve aceitar em caso de abuso de direito (risco a terceiros e doença transmissível).
Portanto, verificamos que a alta a pedido nem sempre deve ser aceita pelo médico. Mas e nos casos de iminente risco de morte em que o paciente capaz, lúcido e orientado se recuse a ficar internado? Como proteger o paciente dele mesmo, já que não é possível mantê-lo “preso” no hospital?
Nesses casos deve-se orientar o paciente sobre todos os riscos e consequências de abandono do tratamento. Entrar em contato com a família é uma medida que pode auxiliar.
Caso essa abordagem não funcione, é importante registrar documentalmente a recusa terapêutica do paciente, com a sua assinatura e de seus familiares, responsabilizando-se por escrito por tal ato (importante também anotar esta informação em outros documentos, como prontuário, termo de consentimento, relatório de alta a pedido, termo de responsabilidade, etc).
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2232
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