quarta-feira, 26 de maio de 2021

A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Ultimamente um tema com bastante recorrência na mídia é a violência obstétrica. Ela ocorre de várias formas, por meio de bullying, inobservância das decisões da gestante, realização de procedimentos sem o seu consentimento, desrespeito aos seus direitos, coerção, violência física e psicológica e outras. Estas práticas têm ocorrido com certa frequência tanto em instituições de saúde públicas como nas privadas.

Eduardo Dantas conceitua a violência obstétrica como uma invasão e tomada do corpo e dos métodos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da área da saúde, através da patologização de processos naturais, medicalização excessiva e tratamento desumanizado, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres[1].

Seguem alguns exemplos de práticas que se enquadram na definição de violência obstétrica:

- Episiotomia: ato cirúrgico utilizado na obstetrícia para amplificar a abertura vaginal com um corte no períneo, realizado com bisturi ou tesoura e procedido de sutura.

Não obstante tenha se convertido na técnica cirúrgica mais rotineira do mundo, foi incorporada sem comprovações científicas da sua eficácia e benefícios, o que iniciou um movimento global para torná-la um procedimento restrito e não mais costumeiro.[2]

Segundo artigos sobre o tema, os riscos associados a essa prática incluem i) estreitamento excessivo da entrada vaginal, ii) dispareunia e algia perineal, iii) ocorrência de laceração de grau III e IV, abcesso, lesão do nervo pudendo, hematoma, infecção, óbito e outros.

Do ponto de vista ético é legal, os principais problemas encontrados não utilização dessa técnica são i) a sua realização sem o consentimento da paciente, afrontando a sua autonomia e o seu direito à informação (o paciente deve ser informado pelo médico sobre a finalidade, riscos e consequências da realização do procedimento), e ii) a sua utilização sem qualquer razão de ordem médica que a justifique (o artigo 14 do Código de Ética Médica veda a prática de atos médicos desnecessários).

Esta prática mal empregada pode causar prejuízos físicos, estéticos e morais indenizáveis.

- Cesárea: o Brasil é um dos campeões mundiais na realização de partos por cesariana.

Do ponto de vista ético, o problema ocorre quando o parto por cesárea se deu por imposição velada ou explícita dos profissionais dos centros de saúde.

Como se disse, para a realização de procedimentos médicos é necessário que haja o consentimento da paciente, por meio do qual irá exercer a sua autonomia, que está prevista em vários dispositivos do Código de Ética Médica.

Vale ressaltar que na esfera cível o artigo 15 do Código Civil dispõe que ninguém pode ser constrangido a submeter-se a intervenção cirúrgica ou a tratamento médico.

Os riscos de complicações cirúrgicas intraoperatórias decorrentes da cesariana são vários: danos aos órgãos adjacentes, trombose venosa profunda, danos ao útero, perda de sangue, risco maior de infecções dentre outras.

- Esterilização não consentida: trata-se de uma modalidade de violência obstétrica física que afronta os direitos reprodutivos das mulheres, configurando-se como uma espécie de erro médico passível de indenização.

O § 7º do artigo 226 da Constituição Federal dispõe que “o planejamento familiar é livre decisão do casal”[3], sendo regulado pela Lei nº 9.263/1996[4], que, por sua vez, veda expressamente a indução ou incitamento à prática de esterilização cirúrgica, impondo uma série de requisitos a serem observados para a sua prática, como:


i)                 o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito da cirurgia, dependendo do consentimento expresso de ambos os cônjuges na vigência de sociedade conjugal;

ii)               somente é permitida em casos de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos;

iii)              é vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores;

iv)              somente é permitida em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico;

v)               a esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial.

Como se vê, os procedimentos de esterilização não podem ser realizados sem o consentimento prévio da gestante, sob pena de infringir a norma supracitada.

Além disso, essa prática também afronta o Código de Ética Médica[5], que trata do consentimento informado em vários dispositivos (dentre eles, os artigos 22, 31, 34 e 42).

- Outros casos de violência obstétrica: podem ser citados outras formas de manifestação da violência obstétrica, como imobilização, privação de alimentos, utilização desnecessária e imprópria de oxitocina para facilitar o trabalho de parto em gravidez saudável, impedimento imotivado do acompanhamento por pessoa da família ou indicada pela paciente, inobservância do plano de parto da paciente (documento em que a paciente especifica as suas opções no que diz respeito ao trabalho de parto e parto).



[1] Direito Médico, 5ª edição, Ed. Juspodium, p. 370.

[2] Miriam Raquel Diniz Zanetti, “Epsiotomia, revendo conceitos”, in FEMINA, vol. 37, n. 7, p. 367-371.

terça-feira, 25 de maio de 2021

ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Este é um dos temas mais polêmicos no Direito da Saúde, e certamente na nossa sociedade como um todo. Fato é que os frenéticos avanços da ciência médica na área da reprodução humana têm gerado diversos dilemas éticos.

 E nosso ordenamento jurídico, cujo processo legislativo tramita de forma muito mais lenta do que os avanços tecnológicos nesse setor, não dispõe de leis específicas que abranjam todas as possibilidades advindas das técnicas reprodutivas, inexistindo parâmetros legais prévios para dirimir conflitos.

 O que fazer com os embriões excedentes? São eles pessoas, portadoras de algum tipo de direito de personalidade, ou coisas? Como fica o direito sucessório e de filiação das crianças geradas por meio das mais variadas técnicas reprodutivas?

 Atualmente o tema é tratado em alguns artigos da Constituição Federal e do Código Civil, pela Lei de Biossegurança e pela Lei de Planejamento Familiar. Ademais disso, temos algumas Resoluções do CFM e Enunciados das Jornadas de Direito Civil.

 Direito de personalidade civil do embrião

 Segundo os artigos 1º e 2º do Código Civil, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, sendo que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro[1].

 Sobre o termo “concepção”, este é definido como “ação de gerar ou de ser gerado, através da junção de um espermatozoide com um óvulo; fecundação[2].

 O primeiro ponto que gera discussão aqui é o momento e quando se dá a concepção. Para efeitos legais, pode ser considerada com a junção de um espermatozoide com um óvulo por meio de técnica reprodutiva em ambiente externo? Ou apenas quando esta ocorre no útero materno?

 Silmara J. A. Chinelatto, ao discorrer sobre o momento a partir do qual se deve considerar a existência do nascituro, ressalta a relevância da nidação do ovo no útero, pois só a partir daí por diante é possível garantir, “em tese, a viabilidade do desenvolvimento e sobrevida do ovo, que se transformará em embrião e feto”.[3] Interessante observar que a obra em comento foi lançada em 2.000, podendo haver desatualizações com relação ao estágio científico atual sobre a viabilidade de sobrevida do embrião antes que seja implantado no útero, em casos de reprodução assistida.

 A Resolução CFM 2.168/2017, que trata de normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, discorre que “o tempo máximo de desenvolvimento de embriões in vitro será de até 14 dias”, e que os embriões criopreservados e abandonados por três anos ou mais poderão ser descartados.

 Mas a legislação brasileira não traz de forma específica se o embrião gerado por técnicas de reprodução assistida in vitro tem direito à personalidade. Também não há consenso na doutrina sobre esse ponto, em que poucos doutrinadores ousam se debruçar.[4]

Talvez a contribuição mais expressiva sobre o tema tenha sido do STF, ao julgar a ADIN-DF 3.510, tendo como Relator o Ministro Ayres Britto, em 28/05/2010. Ao tratar da legalidade na pesquisa com células-tronco, o acórdão discorre sobre o direito de personalidade do embrião:

 “O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais" à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de podernormativo para a legislação ordinária. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança ("in vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição.”[5]

 Utilização de embriões para pesquisa

 A Lei de Biossegurança permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento.

 Referida lei define células-tronco embrionárias como “células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo”.

 Em seu artigo 5º, trata das condições para a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisa: devem provir de embriões inviáveis, ou congelados há três anos ou mais, sendo necessário o consentimento dos genitores.

 Embriões excedentários

 A questão do descarte de embriões excedentários é uma questão muito delicada na reprodução humana assistida quando da fertilização in vitro. Genival Veloso de França traz como sugestão a adoção de embriões excedentários por outros casais[6]:

 “É parte do processo de fertilização por meio assistido in vitro que se obtenha alguns óvulos para fecundação com o espermatozoide, gerando daí os embriões que serão implantados no útero da mulher. Aqueles que não são implantados são chamados de embriões supranumerários e são criopreservados, com a finalidade de serem implantados numa futura tentativa de gravidez.

(...)

Uma proposta respeitável seria a adoção de pré-embriões e não a sua simples doação. (...) Acreditamos ser necessário a estipulação de normas na adoção pré-natal de embriões muito próximas das existentes para as adoções de crianças nascidas. Antes de tudo, como primeira cláusula, o consentimento esclarecido dos pais, pessoas capazes civilmente e aptas para entender e considerar razoavelmente o ato que se propõe, isento de coação, influência ou indução. Não pode ser obtido este consentimento através de uma simples assinatura ou de uma leitura apressada em textos minúsculos de formulários. Mas por meio de linguagem acessível ao seu nível de convencimento e compreensão (princípio da informação adequada).”

 Direitos sucessórios e de filiação

 No que tange aos direitos sucessórios nos casos oriundos de reprodução assistida, o Código Civil traz alguns dispositivos que se são aplicados ao tema[7]:

 “Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.”

 “Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(...)

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

 “Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;”

 Portanto, temos que o Código Civil admite a filiação por meio de fecundação artificial, e, consequentemente, o direito à sucessão, se tais filhos são concebidos na constância do casamento (CC 1597 caput). Admite também a sucessão testamentária para filhos não concebidos.

 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery tratam das incertezas jurídicas oriundas de “filhos advindos de doações de óvulos e sêmen de quem não se apresenta juridicamente como seus pais”, e da “filiação que decorre da popularmente chamada “barriga de aluguel”. Alegam que a mera prova de filiação biológica já não é suficiente para determinar a filiação[8]:

 “A introdução do termo “outra origem” no CC 1593 inaugurou a cláusula geral da afetividade na relação de parentesco em linha reta e trouxe para o espaço do estado civil familiar, a insegurança gerada por múltiplas situações de fato que não se podia supor que ensejasse causa de procriação.

 (...) a hipótese de filhos havidos por concepção artificial homóloga (reprodução assistida com o material genético do casal, o que pressupõe um casal heterossexual), ou por concepção artificial heteróloga (reprodução assistida com o material genético de um ou nenhum dos futuros pais). Ressalte-se que a abertura do CC 1593 para a possibilidade de filiação por meio de fecundação artificial homóloga e heteróloga, permite numerosas possibilidades de filiação que jamais poderiam ter sido previstas quando da elaboração da lei. Nem todas as numerosas práticas dessas diversas possibilidades de procriação humana artificial, encontram resguardo em nosso sistema jurídico.”

 Como solução, citam o critério da afetividade para análise de investigação de paternidade.

 Dessa forma, diante da inexistência de leis que tratem todas as diversas questões envolvendo a reprodução assistida, os Enunciados do Conselho Federal de Justiça e da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ, e as Resoluções do CFM podem auxiliar na busca de soluções para conflitos judiciais[9]. Vejamos:

 Vínculo parental socioafetivo:

 - I Jornada de Direito Civil – Enunciado 103:

O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho.

 - I Jornada de Direito Civil - Enunciado 104:

No âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento.

 - V Jornada de Direito Civil - Enunciado 519:

O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais.

 Filiação:

 - I Jornada de Direito Civil - Enunciado 111:

A adoção e a reprodução assistida heteróloga atribuem a condição de filho ao adotado e à criança resultante de técnica conceptiva heteróloga; porém, enquanto na adoção haverá o desligamento dos vínculos entre o adotado e seus parentes consangüíneos, na reprodução assistida heteróloga sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante.

 - III Jornada de Direito Civil - Enunciado 258:

Não cabe a ação prevista no art. 1.601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta.

 - Enunciado CNJ 39:

O estado de filiação não decorre apenas do vínculo genético, incluindo a reprodução assistida com material genético de terceiro, derivando da manifestação inequívoca de vontade da parte.

 - Enunciado CNJ 40:

É admissível, no registro de nascimento de indivíduo gerado por reprodução assistida, a inclusão do nome de duas pessoas do mesmo sexo, como pais.

 Nesse ponto é importante ressaltar que a Resolução CFM nº 2.168/2017 ressalta de modo significativo a necessidade de se manter em sigilo as identidades de doadores e de receptores de material genético (óvulos e embriões), com o nítido propósito de evitar futuras implicações legais/judiciais referentes a filiação da criança gerada por meio de técnicas de reprodução assistida.

 Regras para utilização do embrião:

 - I Jornada de Direito Civil - Enunciado 107:

Finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões.

 Vale ressaltar algumas normas técnicas da Resolução CFM nº 2.168/2017 atinentes a utilização das técnicas de reprodução assistida:

 - é vedada se implicar risco grave de saúde para o(a) paciente ou o possível descendente;

- a idade máxima das candidatas à gestação por técnicas de RA é de 50 anos, admitindo exceções baseadas em critérios técnicos e científicos, fundamentados pelo médico responsável;

- o consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de RA.

 Reprodução assistida post mortem e sucessão:

 - I Jornada de Direito Civil - Enunciado 106:

Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte.

 A Resolução CFM nº 2.168/2017 reforça a necessidade de que os pacientes manifestem seu consentimento sobre o destino a ser dado aos embriões criopreservados em diversas hipóteses, dentre elas a morte de um dos cônjuges, a fim de evitar futuras discussões judiciais:

 No momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos embriões criopreservados em caso de divórcio ou dissolução de união estável, doenças graves ou falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

(...)

É permitida a reprodução assistida post-mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.

 Segundo o artigo 1.798 do Código Civil, “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. Diante da aplicação literal deste dispositivo, não seria herdeiro o filho resultante de reprodução assistida que não tenha sido concebido até a abertura da sucessão.

 Segundo a opinião de Mauro Antonini, “parece possível sustentar, no entanto, que, se o marido ou companheiro tiver deixado anuência expressa, consentido na inseminação post mortem, estabelece-se o vínculo de paternidade e, por extensão, o direito sucessório. (...) Quanto ao óbice de tal possibilidade gerar insegurança jurídica por tempo indefinido, é de se estabelecer como limite, para petição de herança, o prazo de dez anos da abertura da sucessão[10].

 Em tais casos, entretanto, pode ocorrer a sucessão testamentária, nos termos dos artigos 1.799, inciso I e 1.800, que possibilita a inclusão dos “filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador”, desde que sejam concebidos no prazo de dois anos após a abertura da sucessão.

 Gestação de substituição (cessão temporária do útero):

 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery trazem interessante discussão sobre problemas com a filiação que podem ocorrem na gestação de substituição:

 “o CC 1597 prevê as situações de filiação decorrentes de inseminação homóloga e heteróloga, deixando de contemplar, no entanto, a questão da mãe sub-rogada. Destarte, um casal que recorra a essa técnica não encontra amparo legal para os problemas de filiação dela decorrentes.

(...)

“No caso de casais não casados, a adoção por parte dos dois não é possível. O problema maior decorre, no entanto, de uma gravidez de aluguel em que a mulher que dá à luz é casada. Neste caso, a criança é considerada filho dos pais de aluguel, e não dos pais biológicos. Assim, como no direito brasileiro, o pai biológico pode impugnar a declaração de paternidade. Porém, para que obtenha a guarda da criança juntamente com sua esposa (e, muitas vezes, mãe biológica da criança), é necessário que deem início ao processo de adoção, o que somente poderá acontecer mediante autorização dos pais de aluguel, que juridicamente são os verdadeiros pais da criança.”

(...)

O contrato de gestação de substituição é lícito? (...) deverá o juiz, quando confrontado por uma das partes que pretenda descumprir os termos anteriormente acordados, aplicar o pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes)? Mesmo que as partes assim tenham acordado, é possível renunciar a direito fundamental?

 Mais uma vez, buscamos contornar estas situações por meio dos Enunciados e das Resoluções do CFM:

 - Enunciado CNJ 45:

Nas hipóteses de reprodução humana assistida, nos casos de gestação de substituição, a determinação do vínculo de filiação deve contemplar os autores do projeto parental, que promoveram o procedimento.

 - Resolução CFM nº 2.168/2017:

A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (...). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

Além disso, a Resolução dispõe sobre a necessidade dos seguintes documentos que dizem respeito à filiação: i) Termo  de  consentimento  livre  e  esclarecido  assinado  pelos  pacientes  e  pela cedente   temporária   do   útero, contemplando aspectos legais da filiação, ii) Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero (que receberá o  embrião em  seu útero), estabelecendo  claramente  a  questão  da filiação  da criança, e iii) Compromisso  do  registro  civil  da  criança  pelos  pacientes  (pai,  mãe  ou  pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez.



[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

[2] https://www.dicio.com.br/concepcao/

[3] Tutela civil do nascituro. São Paulo, Ed. Saraiva, 2.000, p. 161.

[4] https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/resolucoes/BR/2017/2168_2017.pdf

[5] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611723

[6] Direito Médico, 14ª edição, Ed. Gen.

[7] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm

[8] Instituições de Direito Civil, Vol. 4 – Ed. 2019.

[10] Código Civil Comentado, Coordenador Ministro Cezar Peluso, 11ª Edição, Ed. Manole, p. 2.093.


sexta-feira, 21 de maio de 2021

O DIREITO DE EMPREGADO DEMITIDO EM MANTER O CONTRATO DO PLANO DE SAÚDE

 Em muitos casos o empregado demitido tem o direito de manter a sua condição de beneficiário do contrato de plano de saúde que usufrui em decorrência do vínculo empregatício, nas mesmas condições de cobertura.

Par tanto, devem ser observados alguns requisitos:

- a demissão não pode ter sido por justa causa;

- o empregado deve ter contribuído para a mensalidade do plano (a contribuição de coparticipação apenas não gera o direito de permanência);

- o plano de saúde contratado pelo empregador deve ser posterior à vigência da Lei nº 9.656/98 (há entendimento jurisprudencial no sentido de que referida Lei não se aplica aos planos contratados anteriormente à sua vigência);

Ao permanecer no plano de saúde coletivo após sua demissão, o ex-empregado assumirá o pagamento integral da mensalidade. 

O período assegurado de permanência no plano varia de 6 meses a 24 meses. Essa permanência se estende, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar do ex-empregado que estava inscrito no plano de saúde quando da vigência do contrato de trabalho.


ENTREVISTA CONCEDIDAAO JORNAL CORREIO DE SALVADOR

  P - Quais são as demandas mais comuns dos clientes que buscam mover ações judiciais, de acordo com sua experiência?   R – As demandas e...