Ultimamente um tema com bastante recorrência na mídia é a violência obstétrica. Ela ocorre de várias formas, por meio de bullying, inobservância das decisões da gestante, realização de procedimentos sem o seu consentimento, desrespeito aos seus direitos, coerção, violência física e psicológica e outras. Estas práticas têm ocorrido com certa frequência tanto em instituições de saúde públicas como nas privadas.
Eduardo Dantas conceitua a violência obstétrica como uma invasão e tomada do corpo e dos métodos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da área da saúde, através da patologização de processos naturais, medicalização excessiva e tratamento desumanizado, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres[1].
Seguem alguns exemplos de práticas que se enquadram na definição de violência obstétrica:
- Episiotomia: ato cirúrgico utilizado na obstetrícia para amplificar a abertura vaginal com um corte no períneo, realizado com bisturi ou tesoura e procedido de sutura.
Não obstante tenha se convertido na técnica cirúrgica mais rotineira do mundo, foi incorporada sem comprovações científicas da sua eficácia e benefícios, o que iniciou um movimento global para torná-la um procedimento restrito e não mais costumeiro.[2]
Segundo artigos sobre o tema, os riscos associados a essa prática incluem i) estreitamento excessivo da entrada vaginal, ii) dispareunia e algia perineal, iii) ocorrência de laceração de grau III e IV, abcesso, lesão do nervo pudendo, hematoma, infecção, óbito e outros.
Do ponto de vista ético é legal, os principais problemas encontrados não utilização dessa técnica são i) a sua realização sem o consentimento da paciente, afrontando a sua autonomia e o seu direito à informação (o paciente deve ser informado pelo médico sobre a finalidade, riscos e consequências da realização do procedimento), e ii) a sua utilização sem qualquer razão de ordem médica que a justifique (o artigo 14 do Código de Ética Médica veda a prática de atos médicos desnecessários).
Esta prática mal empregada pode causar prejuízos físicos, estéticos e morais indenizáveis.
- Cesárea: o Brasil é um dos campeões mundiais na realização de partos por cesariana.
Do ponto de vista ético, o problema ocorre quando o parto por cesárea se deu por imposição velada ou explícita dos profissionais dos centros de saúde.
Como se disse, para a realização de procedimentos médicos é necessário que haja o consentimento da paciente, por meio do qual irá exercer a sua autonomia, que está prevista em vários dispositivos do Código de Ética Médica.
Vale ressaltar que na esfera cível o artigo 15 do Código Civil dispõe que ninguém pode ser constrangido a submeter-se a intervenção cirúrgica ou a tratamento médico.
Os riscos de complicações cirúrgicas intraoperatórias decorrentes da cesariana são vários: danos aos órgãos adjacentes, trombose venosa profunda, danos ao útero, perda de sangue, risco maior de infecções dentre outras.
- Esterilização não consentida: trata-se de uma modalidade de violência obstétrica física que afronta os direitos reprodutivos das mulheres, configurando-se como uma espécie de erro médico passível de indenização.
O § 7º do artigo 226 da Constituição Federal dispõe que “o planejamento familiar é livre decisão do casal”[3], sendo regulado pela Lei nº 9.263/1996[4], que, por sua vez, veda expressamente a indução ou incitamento à prática de esterilização cirúrgica, impondo uma série de requisitos a serem observados para a sua prática, como:
i)
o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após
a informação a respeito da cirurgia, dependendo do consentimento expresso de
ambos os cônjuges na vigência de sociedade conjugal;
ii)
somente
é permitida em casos de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro
concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos;
iii)
é
vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou
aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas
anteriores;
iv)
somente
é permitida em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte
e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que
observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o
ato cirúrgico;
v)
a
esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá
ocorrer mediante autorização judicial.
Como se vê, os procedimentos de esterilização não podem ser realizados sem o consentimento prévio da gestante, sob pena de infringir a norma supracitada.
Além disso, essa prática também afronta o Código de Ética Médica[5], que trata do consentimento informado em vários dispositivos (dentre eles, os artigos 22, 31, 34 e 42).
- Outros casos de violência obstétrica: podem ser citados outras formas de manifestação da violência obstétrica, como imobilização, privação de alimentos, utilização desnecessária e imprópria de oxitocina para facilitar o trabalho de parto em gravidez saudável, impedimento imotivado do acompanhamento por pessoa da família ou indicada pela paciente, inobservância do plano de parto da paciente (documento em que a paciente especifica as suas opções no que diz respeito ao trabalho de parto e parto).
[1]
Direito Médico, 5ª edição, Ed. Juspodium, p. 370.
[2]
Miriam Raquel Diniz Zanetti, “Epsiotomia, revendo conceitos”, in FEMINA,
vol. 37, n. 7, p. 367-371.
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