quarta-feira, 26 de maio de 2021

A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Ultimamente um tema com bastante recorrência na mídia é a violência obstétrica. Ela ocorre de várias formas, por meio de bullying, inobservância das decisões da gestante, realização de procedimentos sem o seu consentimento, desrespeito aos seus direitos, coerção, violência física e psicológica e outras. Estas práticas têm ocorrido com certa frequência tanto em instituições de saúde públicas como nas privadas.

Eduardo Dantas conceitua a violência obstétrica como uma invasão e tomada do corpo e dos métodos reprodutivos das mulheres pelos profissionais da área da saúde, através da patologização de processos naturais, medicalização excessiva e tratamento desumanizado, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres[1].

Seguem alguns exemplos de práticas que se enquadram na definição de violência obstétrica:

- Episiotomia: ato cirúrgico utilizado na obstetrícia para amplificar a abertura vaginal com um corte no períneo, realizado com bisturi ou tesoura e procedido de sutura.

Não obstante tenha se convertido na técnica cirúrgica mais rotineira do mundo, foi incorporada sem comprovações científicas da sua eficácia e benefícios, o que iniciou um movimento global para torná-la um procedimento restrito e não mais costumeiro.[2]

Segundo artigos sobre o tema, os riscos associados a essa prática incluem i) estreitamento excessivo da entrada vaginal, ii) dispareunia e algia perineal, iii) ocorrência de laceração de grau III e IV, abcesso, lesão do nervo pudendo, hematoma, infecção, óbito e outros.

Do ponto de vista ético é legal, os principais problemas encontrados não utilização dessa técnica são i) a sua realização sem o consentimento da paciente, afrontando a sua autonomia e o seu direito à informação (o paciente deve ser informado pelo médico sobre a finalidade, riscos e consequências da realização do procedimento), e ii) a sua utilização sem qualquer razão de ordem médica que a justifique (o artigo 14 do Código de Ética Médica veda a prática de atos médicos desnecessários).

Esta prática mal empregada pode causar prejuízos físicos, estéticos e morais indenizáveis.

- Cesárea: o Brasil é um dos campeões mundiais na realização de partos por cesariana.

Do ponto de vista ético, o problema ocorre quando o parto por cesárea se deu por imposição velada ou explícita dos profissionais dos centros de saúde.

Como se disse, para a realização de procedimentos médicos é necessário que haja o consentimento da paciente, por meio do qual irá exercer a sua autonomia, que está prevista em vários dispositivos do Código de Ética Médica.

Vale ressaltar que na esfera cível o artigo 15 do Código Civil dispõe que ninguém pode ser constrangido a submeter-se a intervenção cirúrgica ou a tratamento médico.

Os riscos de complicações cirúrgicas intraoperatórias decorrentes da cesariana são vários: danos aos órgãos adjacentes, trombose venosa profunda, danos ao útero, perda de sangue, risco maior de infecções dentre outras.

- Esterilização não consentida: trata-se de uma modalidade de violência obstétrica física que afronta os direitos reprodutivos das mulheres, configurando-se como uma espécie de erro médico passível de indenização.

O § 7º do artigo 226 da Constituição Federal dispõe que “o planejamento familiar é livre decisão do casal”[3], sendo regulado pela Lei nº 9.263/1996[4], que, por sua vez, veda expressamente a indução ou incitamento à prática de esterilização cirúrgica, impondo uma série de requisitos a serem observados para a sua prática, como:


i)                 o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito da cirurgia, dependendo do consentimento expresso de ambos os cônjuges na vigência de sociedade conjugal;

ii)               somente é permitida em casos de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos;

iii)              é vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores;

iv)              somente é permitida em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico;

v)               a esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial.

Como se vê, os procedimentos de esterilização não podem ser realizados sem o consentimento prévio da gestante, sob pena de infringir a norma supracitada.

Além disso, essa prática também afronta o Código de Ética Médica[5], que trata do consentimento informado em vários dispositivos (dentre eles, os artigos 22, 31, 34 e 42).

- Outros casos de violência obstétrica: podem ser citados outras formas de manifestação da violência obstétrica, como imobilização, privação de alimentos, utilização desnecessária e imprópria de oxitocina para facilitar o trabalho de parto em gravidez saudável, impedimento imotivado do acompanhamento por pessoa da família ou indicada pela paciente, inobservância do plano de parto da paciente (documento em que a paciente especifica as suas opções no que diz respeito ao trabalho de parto e parto).



[1] Direito Médico, 5ª edição, Ed. Juspodium, p. 370.

[2] Miriam Raquel Diniz Zanetti, “Epsiotomia, revendo conceitos”, in FEMINA, vol. 37, n. 7, p. 367-371.

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