A prática diária na área do direito médico e da saúde torna cada vez mais evidente que a proximidade e o diálogo entre o médico e o paciente podem evitar demandas judiciais na grande maioria dos casos em que o resultado de determinado tratamento ou intervenção médica não apresenta o resultado esperado, independentemente da ocorrência de erro médico.
Mesmo porque em muitos casos o resultado almejado não é alcançado
por fatores diversos, tais quais a reação adversa de cada organismo (e cada
organismo é um universo, com peculiaridade específicas e imprevisíveis), iatrogenia,
fatores externos, inobservância pelo paciente da prescrição médica etc.
A medicina atual passa por grandes transformações, em ritmo
cada vez mais acelerado. E, com isso, a relação médico-paciente apresenta mudanças,
deixando para trás o modelo paternalista, na qual o médico era reverenciado
como detentor do conhecimento e o paciente, por sua vez, era o mero portador de
alguma enfermidade.
Atualmente esta relação ganhou novos contornos, passando a
ser mais horizontal, com maior interação entre as partes. Os pacientes esperam que
seus direitos, dentre eles o de informação e de autonomia, sejam respeitados. E
estão cada vez mais conscientes de seus direitos, que agora são constantemente
informados em notícias divulgadas pela mídia.
Por outro lado, o humanismo não acompanhou o enorme progresso
da medicina, ficando para trás. Deve-se ressaltar que, com a massificação da
medicina, novos agentes estão cada vez mais presentes na relação
médico-paciente, como os hospitais, os planos de saúde e as seguradoras,
ocorrendo dai a perda de valores pessoais. Frequentemente o paciente recorre a
uma listagem elaborada pelo plano de saúde, e o médico, em muitos casos, mal
sabe o nome do paciente que está tratando.
Nas últimas duas décadas o número de demandas envolvendo médicos
teve um enorme crescimento, tanto na esfera cível quanto na esfera ética, junto
aos Conselhos Regionais, e obviamente que a nova dinâmica na relação médico-paciente
possui relevância nesse quadro.
Sobre a necessidade cada vez maior de humanismo nas relações entre
médicos e pacientes, vale citar trecho da obra de J. C. Ismael, que solicitou a
renomados médicos a elaboração de trechos para inserir em seu livro[1]:
“O problema é que quanto mais se “tecniciza”
a medicina, quanto mais máquinas se interpõe entre o médico e o paciente, maior
é a necessidade que essa relação seja humanizada (...). (...) apesar do papel
de Deus, que muitas vezes quase lhe é imposto, o médico precisa sentir-se na
condição do doente, indefeso e vulnerável, para entender os seus medos e suas
angústias. Por isso, a relação médico/paciente é, por suas próprias
características, uma das mais complexas que podem existir entre as pessoas.
Para entende-la é preciso desmistificá-la dos clichês que historicamente a
transformaram num embate entre o poder do médico e a ignorância natural do
paciente sobre os aspectos científicos de sua doença. Por essa razão, o médico
deve explicá-la em termos simples e acessíveis para ter no paciente um parceiro
da cura, e não um “objeto” ou um órgão doente (...). (...) o diálogo com o
paciente e o exame clínico têm sido menosprezados e substituídos por exames de
laboratório, testes e tudo o mais que ocupa papel centra do diagnóstico, quando
deveriam ser complementares. Com isso, a figura do médico empenhado na prática
do humanismo fica cada vez mais apagada, fazendo o paciente, com razão, mostrar-se
descontente com a pouco atenção que recebe (...). (...) A falta de humanidade do médico cria uma
distância muito grande entre ele e o paciente, impede a comunicação e deixa o enfermo
numa situação de inferioridade que simplesmente agrava sua posição já
desvantajosa causada pela própria doença. A pessoa doente precisa de amparo, e
não de demonstração de conhecimentos técnicos e de arrogância. A importância do
aspecto humano no relacionamento médico-paciente é inquestionável, mas
frequentemente descuidada. Nós, que desejamos curar as feridas dos nossos
pacientes, também somos feridos: essa é, afinal, a essência do nosso
relacionamento. (...)”
[1] In
“O medico & o paciente: breve história de uma relação delicada”. São Paulo:
T. A. Queiroz Ed., 2002, p. I-XXX.
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