terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO ENTRE O MÉDICO E O PACIENTE

A prática diária na área do direito médico e da saúde torna cada vez mais evidente que a proximidade e o diálogo entre o médico e o paciente podem evitar demandas judiciais na grande maioria dos casos em que o resultado de determinado tratamento ou intervenção médica não apresenta o resultado esperado, independentemente da ocorrência de erro médico.

Mesmo porque em muitos casos o resultado almejado não é alcançado por fatores diversos, tais quais a reação adversa de cada organismo (e cada organismo é um universo, com peculiaridade específicas e imprevisíveis), iatrogenia, fatores externos, inobservância pelo paciente da prescrição médica etc.

A medicina atual passa por grandes transformações, em ritmo cada vez mais acelerado. E, com isso, a relação médico-paciente apresenta mudanças, deixando para trás o modelo paternalista, na qual o médico era reverenciado como detentor do conhecimento e o paciente, por sua vez, era o mero portador de alguma enfermidade.

Atualmente esta relação ganhou novos contornos, passando a ser mais horizontal, com maior interação entre as partes. Os pacientes esperam que seus direitos, dentre eles o de informação e de autonomia, sejam respeitados. E estão cada vez mais conscientes de seus direitos, que agora são constantemente informados em notícias divulgadas pela mídia.

Por outro lado, o humanismo não acompanhou o enorme progresso da medicina, ficando para trás. Deve-se ressaltar que, com a massificação da medicina, novos agentes estão cada vez mais presentes na relação médico-paciente, como os hospitais, os planos de saúde e as seguradoras, ocorrendo dai a perda de valores pessoais. Frequentemente o paciente recorre a uma listagem elaborada pelo plano de saúde, e o médico, em muitos casos, mal sabe o nome do paciente que está tratando.

Nas últimas duas décadas o número de demandas envolvendo médicos teve um enorme crescimento, tanto na esfera cível quanto na esfera ética, junto aos Conselhos Regionais, e obviamente que a nova dinâmica na relação médico-paciente possui relevância nesse quadro.

Sobre a necessidade cada vez maior de humanismo nas relações entre médicos e pacientes, vale citar trecho da obra de J. C. Ismael, que solicitou a renomados médicos a elaboração de trechos para inserir em seu livro[1]:

 

“O problema é que quanto mais se “tecniciza” a medicina, quanto mais máquinas se interpõe entre o médico e o paciente, maior é a necessidade que essa relação seja humanizada (...). (...) apesar do papel de Deus, que muitas vezes quase lhe é imposto, o médico precisa sentir-se na condição do doente, indefeso e vulnerável, para entender os seus medos e suas angústias. Por isso, a relação médico/paciente é, por suas próprias características, uma das mais complexas que podem existir entre as pessoas. Para entende-la é preciso desmistificá-la dos clichês que historicamente a transformaram num embate entre o poder do médico e a ignorância natural do paciente sobre os aspectos científicos de sua doença. Por essa razão, o médico deve explicá-la em termos simples e acessíveis para ter no paciente um parceiro da cura, e não um “objeto” ou um órgão doente (...). (...) o diálogo com o paciente e o exame clínico têm sido menosprezados e substituídos por exames de laboratório, testes e tudo o mais que ocupa papel centra do diagnóstico, quando deveriam ser complementares. Com isso, a figura do médico empenhado na prática do humanismo fica cada vez mais apagada, fazendo o paciente, com razão, mostrar-se descontente com a pouco atenção que recebe (...).  (...) A falta de humanidade do médico cria uma distância muito grande entre ele e o paciente, impede a comunicação e deixa o enfermo numa situação de inferioridade que simplesmente agrava sua posição já desvantajosa causada pela própria doença. A pessoa doente precisa de amparo, e não de demonstração de conhecimentos técnicos e de arrogância. A importância do aspecto humano no relacionamento médico-paciente é inquestionável, mas frequentemente descuidada. Nós, que desejamos curar as feridas dos nossos pacientes, também somos feridos: essa é, afinal, a essência do nosso relacionamento. (...)”

J. C. Ismael também discorre que “é de se esperar que o médico demonstre verdadeiro interesse humano pelo paciente, transmitindo-lhe a sensação de que  ele tem importância real como pessoa, e não apenas um nome na agenda de consultas. Seu desempenho profissional deve, portanto, complementar e não esgotar sua relação com quem o procura”.

[1] In “O medico & o paciente: breve história de uma relação delicada”. São Paulo: T. A. Queiroz Ed., 2002, p. I-XXX.

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